NAQUELA NOITE EM QUE FICAMOS PRESOS

Naquela noite em que ficamos presos no Poente,

Entre as grotescas grades do pasmo e do espanto,

Tememos pelo desterro do talvez e, no entanto,

Foi apenas um acaso do fado, rodopio inclemente.

Naquela noite em que ficamos presos no Futuro,

Tememos pelo desterro do porvir. O deserto Saara,

Menos ermo que a deserta Amazônia, noite clara

Entre astros e desastres, um apocalíptico, obscuro,

Desencanto seria – esperamos uma certa esperança.

O destino assomou, cometeu a insânia e o desatino,

Brincando de acaso, o acaso brincando de destino,

Perverso, suave e inocente, como qualquer criança.

Naquela noite, luta de Subitamente com Eternidade,

Bradamos: “Estamos apenas de passagem!”. Acha?

Sem chance! Fomos tragados pelo portentoso racha

De entes que, sem os entender, nominamos Verdade.

Poente, Futuro, Eternidade: um salto no imo de nós.

Fabuloso salão de jogo de espelhos, em que a ilusão

É ilusão da ilusão – não há referencial ou sinalização.

Vácuos ou repletos, mesmo de mãos dadas estamos sós.

Passageiros, essa passagem se dá passando ao largo;

A escolha do passo resvalou para a solidão, os ermos

Grotões nos contrafortes que separam o não sermos

Do nunca tentarmos. Passado doce e futuro amargo.

Presos por nuances do supor, em um tempo-espaço

Indistinto, num reino sem o seu rei. Simulam labaredas

As sensações, menos pelo calor que pelas sutis veredas

Inscritas no chão, incessante esboço de hábil leve traço.

Átimo após átimo, quimera após quimera, encontramos

A frincha que nos liberta. O desgarrarmo-nos não se dá

Ao longo das curvas na rota, mas nos saltos que, oxalá,

Daremos com sabor de aventura supra-humana. Mucamos

Daquele rei adverso do irreal, padecemos de inépcia crua -

Espera-nos o deserto antártico e o seu não pertencimento.

Haverá um Inferno gélido, um tempo dúbio no momento,

Um mundo de insolência alheia, um Poente sem noite sua.