ame

Primeiro ame o adormecer,

E depois o acordar, a luz

Derramada daquele repouso,

A relva e o orvalho, o segredo

Da noite que se dissipou, o céu

Entrelaçando-se com o mar,

As nuvens movendo-se como fantasmas,

O sol que inunda tudo com suas

Pantufas flamejantes, o animal que late,

A ave que desliza pelo ar, a panela

No fogo, preparando o almoço,

Aqueles que, se não foram

Na jornada da vida, ainda mantêm a

Sua sombra, e aqueles que um dia

Foram a sua bússola, a mão

Que retirou os joelhos das pedras,

Agradeça à tarde que segue a manhã

E segure a mão da noite, misteriosa

Com suas estrelas, mais que escuridão,

O ar que preenche seus minutos,

A boca que beija, a língua que ama,

O corpo que é seu porto seguro

Nos momentos de desespero, ame as

Ruas, as crianças que um dia

Você conheceu, o ancião que um dia

Será você, o jovem enganado que

Já experimentou, o adulto que sabe,

Mas, no fundo, desconhece o essencial,

A vida e a morte, o abraço

Das duas, e o abraço que você oferece

A cada pensamento que desencadeia

Sentimentos, e que, ao tomar forma

De acordo com a ideia, trouxe o distante

Para mais perto, erigiu edifícios, os

Rádios que foram amantes na madrugada,

O avião que nos fez mudar da terra

Para aço nas asas, e tantas coisas

Que o pensamento moldou, ame o fogo,

A madeira, a cinza, a brasa que resta,

A porta aberta, a que se fecha,

Que se abrirá após a paciência, ame a

Si mesmo, com seu gesto infantil,

Suas agonias, a hora que

Perdeu e esta hora

Onde vê mais, para fora do corpo,

Do que ontem, os vales que são

Montanhas de outra forma, ame, apenas ame a ternura,

Sua sombra inseparável,

A textura eloquente da amargura,

O doce e o amargo, entrelaçados

Na mesma tigela.

Andrade de campos