UM INSTANTE, UM ESTALO, UM LUGAR
o quarto quase todo escuro, sem parecer dia
devagar lá fora a vida amanhecendo tão certa de si
dia esse denunciado apenas pela rara claridade
que invade pelo vão entre o tecido e a janela
sem ter ideia das horas ou sequer fazer questão.
entre aquelas quatro paredes meu único compromisso.
tal cortina preta protegendo os olhos ainda sensíveis
da projeção pontual e exibicionista do raiar solar
um feixe estreito de luz entre elas alinha
com o desenrolar preguiçoso do teu despertar
semblante sereno pintando um sorriso
dando os ares ao mundo antes mesmo do olhar.
acordo, cara a cara com tua guarda baixa
estupidez querer esquecer o que tua boca faz
indiscutível tentar ir contra, cogitando sensatez
difícil deixar de lado teu cheiro quando ele não
só mora, como vem atrás, o vento traz
lembranças de um tempo alheio, recreio,
a gente com menos receio, não tão cheios de estrago
coisas somadas com o tempo que só ao pó
somem com o passar impreciso do mesmo.
do transe desperto com teu “bom dia” sútil
fitando teus olhos, sinto chover paz
conversa só começa depois de um carinho
respondo baixinho o quanto quero mais
risada sagaz, me encontro em teu domínio
besteira essa história de não querer ficar
é excitante o instante que percebo em ti
um espaço existente, questão de adaptar
distâncias, demandas, um desejo abraçando o outro
não quero prazo, não tenho pressa, o tempo
ainda que relevante é relativo, podia ter sido ontem
ficamos pra depois e o depois acabou por chegar
não apresso o passo, sequer sei onde chegar
plenamente satisfeito, feliz, apenas por estar.
logo eu que debochando de compromisso, calei o bico
foi só tu reaparecer, eu querer me aparecer e me pegar
requisitando tua presença e te querendo e mergulhando
sem temer a profundidade do teu mar.
o coração, refém do invisível, é imprevisível.