da vertigem
Na tua trilha, rastros delineiam o pergaminho teu,
e espelhas a memória, cavando páginas mal entalhadas.
Ao redor, casarios e vielas despejam tua virtude,
numa esquina dobrada, sem explicação para a indelicadeza
de ter sido vetado da festa mais ansiada.
A celebração onde tua irmandade foi enfeitada,
não a questionas; rituais festivos dos amantes e dos amados?
Herdaram a flor, cujo perfume sutil atormenta
o bairro inteiro? Segue teu caminho, pernas
mal perceberam o escândalo de não tentar fugir.
Do outro lado da rua, ouviam-se pássaros
raros no vento, concebidos por algum mito
imprevisível, já desgastado pelo uso.
Tua agonia era a proa em direção a um destino
inevitável. Não foi a escola onde homens
se preparam para sufocar os furacões.
Sem asa e sem escolha, teu salto, teu voo
rumo a uma montanha forjada por
teu delírio mais gentil, mas extremo,
terrível inclinação para não perceber que os
abutres são os bailarinos do espetáculo final.
Lá do alto, soubeste da flor que tempera cada
grão de areia, cuja semente basta ocultá-la
com um toque de sombra, e seu fruto mais
improvável se encaixa, a terra a socorrer
com a vida. Agora, esbelto de exaustão, buscas
ouro em fazendas abandonadas, esmeraldas
cravadas nos troncos de árvores centenárias.
Assentas numa pedra, escreves uma carta-testamento
ao teu filho mais ímpio. Ama a flor, sua semente
e a vertigem homicida, que é a vida quando viva.
Tua jornada desenha pegadas que
Constroem o pergaminho teu, e refletes,
Memória escava páginas mal marcadas.
Ao redor, casas, ruas descarregam tua
Virtude, numa esquina que dobra, sem
Explicar a indelicadeza de ter sido barrado
Na festa mais aguardada.
A festa onde tua irmandade foi adornada,
Tu não questionas; rituais festivos dos que
Amam e são amados? Herdaram a flor,
Cujo aroma sutil assombra
O bairro todo? Segue teu passo, pernas
Mal perceberam o escândalo de não tentar escapar.
Do outro lado da calçada, ouviam-se pássaros
Raros ao vento, imaginados por algum mito
Imprevisível e já desgastado pelo uso.
Tua agonia era a proa para um destino
Inquestionável. Não foi a escola onde homens
Se preparam para sufocar os furacões.
Sem asa e sem escolha, teu salto, teu voo
Em direção a uma montanha imaginada por
Teu delírio mais amável, mas extremo,
Terrível inclinação para não perceber que os
Abutres são os dançarinos do espetáculo final.
Do alto, soubeste da flor que tempera cada
Grão de areia, cuja semente basta encobri-la
Pela pincelada de sombra e seu fruto mais
Improvável se ajusta, e a terra lhe socorre
Com a vida. Já esbelto de cansado, agora
Buscas ouro em fazendas abandonadas,
Esmeraldas encravadas nos troncos de
Árvores centenárias. Tu sentas numa pedra,
Escreves uma carta testamento ao teu
Filho mais ímpio. Ama a flor, sua semente
E a vertigem homicida, que é a vida quando viva.
------------------------------------------------------
outra criação
Nesta noite, sorvo o vinho, dedos entrelaçados
de homens e mulheres que à uva concederam
esse ser de névoa, essa eloquência turva
nunca plenamente alcançada, apenas sugerida
a desenhar, eternamente, a brevidade na areia da praia.
Escrevo teu nome, cinco letras alinhadas
que condensam uma vida, recordo
não só de teu rosto, mas de uma miríade enlouquecida
e caótica de possibilidades, algumas sorvidas
na hora mais imperiosa. Ah, aquela boca,
degustei-a naquele agosto, desfaleci,
e ao despertar, era uma marcha involuntária
a recontar as histórias dos homens. Ah, seios intumescidos,
frutos maduros, cálidos, beijei-os,
e por eles cortei as cordas da única âncora possível.
Da corda jorrou o sangue, vermelho como o vinho
que em minha boca desperta as papilas para outra terra,
não devastada como esta, com seus troncos retorcidos,
suas formigas a laborar como se nada mais houvesse,
salvo a fome eterna, e dela somos reféns.
Sangue esguichando, e na memória, uma vida
decomposta em imagens, algumas até frugais,
outras, atmosferas cavernosas, silenciosamente,
extensamente, grito, e do seu fundo, o eco evanescente
de uma vida em frangalhos na lembrança.
Mas me contento com tua ausência, com o som solitário
a anunciar para sempre que foste minha perdição,
ainda que tenhas encontrado outro de olhos profundos
e sabedoria macabra. Oh, alma desalmada,
a ingenuidade inconformada, aceita o que vês, poeta!
Narra de longe, tão longe e tão perto que a morte
me contempla do alto do seu infinito. Não a respeito,
ainda que o medo dela queime meu coração mesmo
dentro das trevas. Amo, sabendo que é não apenas
um ofício, mas a maneira mais tortuosa de quebrar pedras,
de mergulhar em águas, talvez, não haja cessar de dizer:
ainda existo, sou esse nascimento que até na morte
estará incompleto, e tua voz ressoa dentro de cada coisa,
como uma semente inscrita numa cadeira, ou nos braços
graciosos da moça linda sentada à beira da praia.
Por um instante, sou ela, mulher a saciar-se com os mistérios,
a amá-los, por um instante esqueço de mim e sou feliz.