Ao Mestre Machado
Eu tive um enorme espanto
Na primeira vez em que li
Os contos e romances do Bruxo do Cosme Velho,
Foram como um soco no crânio a lá Kafka.
Vivia absorto nas grandes nuvens,
Iludido, romantizado. Mas aí o verme
Que roeu as frias carnes de Brás Cubas
Atravessou como afiada lamina minhas entranhas.
Numa visão irônica, num sarcasmo sem fim,
Num animo morno cinza me acostumei
Em ver a decomposição e contradições
Dessa sociedade lançada ao fracasso...
Mundo em que o amor é uma pedra embalsamada de cifrões.
Os misteriosos olhos da amada de Bentinho
São tão difíceis de decifrar quanto à imensidão do mar.
Da leitura das sandices de Simão Bacamarte desaprendi
Os limites entre o normal e o anormal nas cabeças dos homens.
Percebi que todos os louros da razão, da fria ciência,
Geraram caminhos de alienação, nuvem cinza de discriminação.
Na metafísica análise das batatas feita por Quincas Borba,
A destilação da bílis negra do nosso maior escritor
Diante da vida repleta de mediocridade e lixo.
Com pontapés críticos no crânio, os icônicos textos retratam
Um pó repleto de vícios que vociferam todos os homens.
Seja na aurora do século XIX ou na planície seca dos dias atuais,
A escrita machadiana se estica como elaborado microscópio
A desvendar as baixezas das aventuras humanas.