enfrentamento
A luz da tarde bate no batente da porta,
e meu coração entra na rua, e olha as janelas
com o desdém dos cansados. As pedras recebem
meus olhos, que as enxergam, e elas crescem,
expandem como a pele de uma cópula amorosa,
fazendo do horizonte uma ribalta latente e lânguida
como uma fêmea ovulando.
Meus lábios lembram uma língua,
minha língua lembra uma boca,
e seu hálito me desce pelas membranas.
Eu respiro a imagem de uma deusa viva
e me desespero com seu pudor.
Me trago para dentro, me afogo,
sou tomado, domado, a indolência de medo represado.
Sou paixão e tenho fome,
pois sei que sua pele exala fogo,
e suas pernas vão me salvar da morte,
já que é vida em estado bruto,
e minha violência precisa de um afago.
Uma ternura indolente me espanca pelas veias,
o sangue, o espírito, o pulmão que consome
as batidas do que desejo me anima a te compreender.
Então me entranho com sua recusa,
é cruel ou apenas não pisa na mesma tábua que consumo.
O oxigênio que me liga a outra rua me arrebata,
e um clarão de ninfas invioláveis desvirgina minha loucura.
Sou outro, sou do muro mais alto, da cascata mais generosa,
meus pés ardem, esqueci-me de que a estrada é feita de pedregulho,
que o tempo se estende na impaciência.
Não morro, apenas sofro a promessa de uma vida
que se esvai pela impudência juvenil.
A estranheza não me consola, nem me lembra a passagem do enigma.
Engano-me nas mãos da tarde de encantamento,
me ponho ao largo das coisas, e as coisas não se dão conta
que me recolho para não ser sua cúmplice.
Abro os olhos, já não posso cair,
sou filho da terra e dela me abasteço,
abro os braços para o céu, o mundo é grande,
e é grande minha vontade de viver.