NO INTERIOR DO MEU FUTURO CADÁVER
Quantas mortes ainda trarei
no interior do meu futuro cadáver?
Quantas vezes ressuscitarei das noites
para acompanhar o envelhecer dos dias
a partir das auroras em que acordo espantado?
Quantos sonhos serão espatifados
no esbarrar com as paredes do quarto?
Quantos lenços de papel descartáveis
irei usar para enxugar as lágrimas que trago
por detrás das aparências e dos disfarces?
Quantas ocasiões até lá escutarei calado
as afrontas cujas respostas embargo
no travar dos dentes e dos lábios?
Quantas estrelas deixarei de ver
além dos confins do universo enxergado
apenas porque meu telescópio
está velho, míope e estrábico?
Quantos talvez fiquem para trás
pelo simples fato de chegar atrasado?
Quantos desejos serão desapontados
preocupado em pagar as contas
e de ser visto como bem-comportado?
Quantos passos deixarei de andar
por causa do receio de escorregar
tombar ao chão e machucar o braço?
Quando esquecerei de mim
e me misturarei à multidão ao lado
para com todos nela seguir a boiada?
Quando desistirei de pensar o que penso
para me desviar dos pensamentos desquietados
sossegando-me no sofá da sala assistindo seriados?
E quando nada mais disso em mim houver
é porque fui devidamente morto e cremado