O PÓ DOS MEDOS
Minha alma tem vãos guardados em algum canto,
como precipício em lava incandescente,
feito suor já empedrado e calado.
Nesses vãos sem dono, nem crias,
guardo encantos a granel,
escondo segredos em monstros gigantes,
guardo respingos que não mostro pra ninguém.
O tempo vai se esvaindo, ficando calvo e sábio,
levando no seu cangote cabrestos tantos,
cicatrizando passos fora do prumo,
untando de luz os vãos meninos que sobraram.
Então, naqueles cantos ásperos e avessos,
recarrego meus fluídos de encantamento,
sacudo o pó dos medos, dos porões rasgados.
respingo o que deve rugir, resplandecer, até sorrir.
Daí, por fim, sacudido e vingado,
faço minhas as trouxas do mundo,
ancoro as rédeas mancas da paixão,
velejo em delícias que não ecoava,
disperso nódulos avessos, galopes estranhos,
e sigo no rastro das pegadas que cerzi,
até tudo se cansar de mim de vez.