ROENDO CHÃOS
Sou lágrima indecisa,
por vezes afoita, reclusa,
vagando dentro de mim.
Assim levo meu tempo,
roendo chãos cabisbaixos,
domando vãos avessos,
esperando rimas que nunca virão.
Sou prato sujo, puído.
de alma mordida, servil,
afoita por tecos de querer-bem,
num seco esparramar sem trégua.
Então acordo numa soleira encardida,
apago cada pétala de dor,
descabelo a paúra que tanto rugiu, tanto desabou,
e volto pra toca original, aguerrido e feliz.
Então o que de mim rugia oco,
o que de mim se prostrava insosso,
desiste de tremer, de ceder, de desanuviar.
Daí aquela criatura surrada, encardida,
bate as asas numa euforia juvenil,
sacode o sangue, doma a alma,
volta à vida em lindo e remido berro,
pronta pra cumprir a jornada que der,
que ecoar, que abrigar, que ninar.