DO TEMPO DA ESPERA
O tempo da espera, seja qual for o rito da dança, é chão indigesto
Desarma os guizos das certezas, inflama as hastes da fé, dói sem cansar
É gingado teimoso, arredio, desalmado, descabido
Ficamos rendidos neste vão insano, de pele áspera, azeda e doentia.
Tempo da espera nunca se espreguiça e nem, tampouco, perdoa
É grão bizarro, desmerecido, de raízes corrediças e gosmentas
Sabe dos nossos alçapões e das nossas cáries com maestria
Dribla cada vértebra que nos escora, que nos entretém, que nos embala
Faz gato-e-sapato do que temos de mais legado, de mais hemorrágico
O tempo da espera confunde o olhar, o tato, o gozo, o querer-bem
É ladainha bizarra num folguedo surrado e arredio
Ressoa com estridente e escarrada razão, reverberando mais e mais
Daí se cansa de zunir, de enlamear, de fugir do tom
E morre, levando consigo todo ar, toda franja e todo cesto da nossa aflição.