Existir

O tumor que cresce,

o barulho que aborrece,

a madrugada que não amanhece,

a tarde que não anoitece.

E todos não deveriam.

E nem tudo passa,

nem o Pão que o Diabo amassa,

nem a cotidiana devassa,

nem a injúria e a amarga cachaça.

E todos não deveriam.

Talvez o verso seja impotente,

o reverso até inocente,

ainda que o desejo seja indecente.

E todos não deveriam.

A mosca que nos pica,

o samba sem cuíca,

o restaurante por Kilo,

os turistas no Nilo.

E todos não deveriam.

O dinheiro que se abraça,

a roupa do rei de Roma e a traça,

o sétimo selo da sétima taça;

a noticia na televisão

e o fogo do redescoberto dragão.

E todos não deveriam.

A tinta que é escassa,

a rima que se esgarça,

o mote sem graça

e tudo que passa.

E eu não deveria.