Inútil

Certo momento, sucumbi à sensação de inutilidade. Percebi-me à beira do colapso mental, refletindo sobre o quão relevante eu era para a vida. Ao ponderar excessivamente, a constatação era recorrente: "inútil", era assim que me via. Distante das preocupações da humanidade, da grande indústria, da vida cotidiana mecanizada à qual deveria me subordinar. Onde estaria minha pasta de trabalho? Onde deixei meu terno? Por onde andavam meus projetos? Todos estagnados, sem perspectiva. Mas por quê? Por qual razão me tornei refém da inutilidade? Não saberia dizer. Foi um processo gradual, dia após dia, tornando-me menos útil para a empresa, para os colegas, para o olhar dos bem-sucedidos. Menos útil até para o pensamento. Agora, à margem da sociedade, talvez compreenda o descontentamento de Álvaro de Campos com os semideuses. Hoje, entendo-te, Álvaro. Sou também Álvaro, sou também inútil para os semideuses. Contudo, a inutilidade é, de fato, sublime! Que peça magnífica é essa chamada vida. Um dia, os aplausos virão ou não, as cortinas se fecharão, e útil e inútil se encontrarão. Unidos, em um mesmo terreno, atrás do palco, cada qual em seu buraco.