Pedras e almas

Embora eu enxergue ainda

Tudo que o olho come

Eu só consigo juntar

De todas as letras seu nome

O teu amor é imposto

A "derrama" que me toma

O teu sorriso é aposto

Que explica tudo por si

É som, verbo, idioma

É tudo que o olho come

Você vermelho bem quente

Num vestido avuador

Bem fatal licor de sangue

Corpo infinito movente

Que estica todo instante

Que assopra, que voa e some

É mulher nunca esgotante

Escapa além da moldura

que se finca na memória

Pra sempre, fogueira, estória

imagem, colírio e cura

Mas só consigo pensar

Meu erro é ser bicho-homem

Você dançando vermelho

Que é pedra e também alma

Meu abraço-criança escorre,

Soluça querendo calma

Só sabe jantar seu nome

Demônios rondam a luz,

E você brinca feliz

Pulando só de um pé só

e dança e cai e corre

Em vôo de bailarina

Menina, mulher, matiz

Matiz de mulher-menina

Esfera-núcleo do peito

Gira joia derramante

Faço frase todo assim

Pequeno cinza sem jeito

Se abre fissura lá dentro

Lâmina-corte-diamante

Só tenho medo que brote

Que me exploda tudo instável

Um lampejo bom lambente

Um afeto afã afável

Terra seca sem semente

E a distância faz o longe

A dor que deveras sente

O hábito faz o monge

Queria só que soubesse,

mas não sei nem dizer como

Queria te fazer ninho

Redoma flor escondida

De tudo que o olho come

A uva é vinagre e vinho

Os dias vão tropicais,

Telas, Wong Kar Wai

queimam em plano sequência

Antigas febres astrais

Poemas gritam do ar

Pra eu fugir da prudência

Que nunca morrem

Nunca morrem jamais

Querendo querer querência

Da janela do carro,

Um sem parar paisagens,

plantações, árvores, poeira

Montanhas sem fim e paragens

Embora eu enxergue ainda

Tudo que o olho come

Eu só consigo pensar

Eu só consigo juntar

De todas as letras seu nome