Cirandinha

Encontravamo-nos atadas,

Desencontradas,

Sob a vigilância da matilha.

E os ventos glaciais sepultavam

Esperanças mal tidas.

Lá fora, a alcateia uivava,

De nossos corpos sequiosa e faminta...

Enchendo-nos de um medo vasto...

Visceral em prenúncios de carnificinas.

Hoje, desejos se deitam, cansados,

Em camas de burocracias...

Enquanto a justiça sem olhos e tato

Provoca perigosas embolias...

Já não me sou onde sempre fui!...

Perdi o meu ser em becos sem saídas!...

E o não estar em mim perpetua

A violência simbólica de ser

Mulher na vida!

E, na ciranda da morte,

Os pés que sangram,

Em busca de portas e janelas de empatia,

São acolhidos entre dentes

E línguas ferozes,

Desejosos de alargar suas feridas...

Mas não antes de limpar

O vermelho de seus passos!...

Ou de negá-los com sinfonias de mentiras!

Promovendo espetáculos macabros

Em que se anulam as alheias agonias!

E aplaudindo algozes e redivivas

Com a condescendência, a eles,

Dirigida,

Pisoteiam os fatos, gloriosos,

Enterrando carreiras, corações e vidas.

Autora: Hebe Santos

Observação: eu dedico esse poema a todas as meninas e mulheres com que convivi em uma instituição de acolhimento a mulheres vítimas de violência. Vítimas do machismo, da misoginia e do Estado. Tanto aqui, em Comodoro Rivadavia, Argentina, como em qualquer outra parte do mundo, a violência de gênero sempre há de existir. Mulheres silenciadas, institucionalmente desamparadas, julgadas por tudo e por todos em um sádico mecanismo de culpabilização da vítima. Elas vão se anulando pouco a pouco e paulatinamente sendo anuladas em sua existência, em seu sentir, em sua palavra. Abandonam trabalho e casa em busca da proteção de si enquanto o Estado segue o rito de tentar tornar insuficientes suas provas, de revitimizá-las ou de invalidar o seu sofrimento, enquanto a sua vida segue exposta ao risco de morte, enquanto sua alma naufraga na dor. Abandonam amigos, contatos, redes sociais. Ou vivem sua identidade virtual de forma privada, escondida. Trocam de chip, de telefone, de ambientes, mas as marcas indeléveis das violências sofridas as acompanharão para sempre.

La Bruja
Enviado por La Bruja em 27/11/2023
Código do texto: T7941548
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