TRAIR (VARIAÇÕES SOBRE O VERBO DA INFIDELIDADE)
TRAIR (VARIAÇÕES SOBRE O VERBO DA INFIDELIDADE)
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
A dor de trair é tal a dor de mentir
E a dor de mentir é a dor de quem foi traído porque traiu a si mesmo, para quem mentiu
Porque quem traiu (e que foi por si mesmo traído) tem como consequência da mentira
A consequência de que iludiu, e foi por si mesmo iludido
Iludido é quem trai
E iludido é quem traiu
Porque iludidos somos todos nós
Aqueles que traímos, aqueles que nos traíram. Traidores. Traídos. Todos somos, ou poderíamos ser.
Traidores, quem sabe, piores. Mas não há melhores.
Traídos, certamente, desiludidos. Viver é trair. É ser traído. É iludir. É ser desiludido.
Porque entre quem traiu sem mentir e quem foi traído porque não iludiu há uma ponte, vazia e firme, marcada pelo perdão, coisa de santos, que não traem e não mentem, e que, por isso, só por isso, perdoam.
Porque os santos não são humanos, são santos. Não traem. E não são traídos. Porque lhes falta a condição humana, falível, frágil, mas ao mesmo tempo forte e única, porque capaz de ser fiel.