Encontro

quando eu te digo que odeio o frio

na verdade, eu odeio a desesperança, o desalento, o desamparo

de sentir que não há nenhum amor no mundo que me aqueça.

quando tu dizes que me ama

na verdade, tu amas a voracidade com que eu te devoro

com os olhos, antes do embate.

quando eu falo do embate, o embate não é o conflito,

não é a guerra, não é a vontade de destruição.

o embate aqui é o sexo, nesse caso, uma figura de linguagem

(pois o sexo é, em última instância, uma figura de linguagem).

quando tu pensas em figuras de linguagem,

tu pensas em metáforas, enquanto eu penso em paradoxos

pois o paradoxo é que o sexo seja embate, mas seja, também, comunhão.

quando tu pensas em comunhão, te sobrevoam pensamentos sagrados

de Deus, um deus maiúsculo, casto, em completa antítese com o sexo

pois não te pareces que comunhão possa ser, também, lascividade e profanação.

a radical diferença entre repartir e compartilhar

um pão, um corpo, uma ideia — é justamente esta margem

em que dividir e multiplicar se confundem

pois na matemática das relações, não é possível medir

se, no fim das contas, ao dar o que temos,

ficamos com mais

ou com menos.

as frestas dos significados onde não nos entendemos

são, curiosamente, a possibilidade de começarmos a entender.

explica-me de onde vens: é possível

que nos encontremos no meio do caminho.

pedro toscan
Enviado por pedro toscan em 13/11/2023
Reeditado em 13/11/2023
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