Guilhotina
Não me doeria o grito de fome
Não me doeria a noite de frio
Não me caberia o que se come
Mas pela paz eu me silencio
Não me doeria o filho perdido
Nem me doeria a ardil carnificina
Se a cada miserável e bandido
Restasse apenas a guilhotina
Não enxergaria os dentes faltantes
Não enxergaria as livres crueldades
Não perguntaria nada aos governantes
Se houvesse menos impunidades
Não enxergaria o meu pé calejado
Nem enxergaria a mão da loucura
Se todo verme amaldiçoado
Sucumbisse à tortura
Não me importaria com garantias
Não me importaria pelas prisões
Não me cansaria mil “Ave Marias”
Rezadas para proibir as invasões
Não me importaria nenhuma cor
Nem me importaria a nobre chacina
Se a todo próspero malfeitor
Restasse apenas a guilhotina
Não sentiria o câncer e a morte mais
Não sentiria o sangue da criança
Não reclamaria a demora dos hospitais
Se nos houvesse mais segurança
Não sentiria o gosto do veneno
Nem sentiria perder-me inocente
Se não houvesse, ainda que pequeno
Compaixão por qualquer delinquente
Não me faltaria morrer assassinado
Não me faltaria virar um terrorista
Não me valeria das lendas do passado
Pois a essa altura já sou um extremista
Não me faltaria a dor que me atira
Não me faltaria uma hipócrita sina
Se quando julgado, mesmo que mentira
Restasse apenas a guilhotina