PEGADANDO

São tantas as pegadas deixadas nessas idas e vindas de sempre.

Algumas suadas, outras surradas, outras mirradas,

pegadas vorazes, de sangue raivoso e pele rude,

pegadas salpicadas de sonhos, por vezes de motins,

pegadas soturnas, esbeltas, sorrateiras,

por vezes as tenho assustadas, descabeladas demais,

com suas artérias fugazes e farsantes,

dedilhando paixões nas frestas alvissareiras do querer-bem.

Suas encostas esculpem robustas fagulhas atrozes,

pegadas de alma puída pelo cantarolar dos tempos,

esvoaçando cada pétala guerreira que convoquei do nada,

me untando de fé raivosa, atracada em porquês tantos,

porquês tantos...

Pegadas que se perdem nas querelas de todos,

sem penduricalhos mancos ou descalabros fagueiros,

sem respingos matreiros que tanto me fizeram chorar.

Então as encharco da lama rendida do medo, do avesso bêbado,

e dos sussurros assustados das ribanceiras oportunas de qualquer chão.

Pegadas alvissareiras que fiz questão de dedilhar escondido e calado,

na espreita de me fartar de aplausos ocos e servis, quem dera,

mas não ressoei vencido e atarracado. Não mesmo!

Das minhas pegadas furtivas e arredias, todas elas,

reverti cada quinhão escrachado desse riso ameno e farsante,

espiei pelas vísceras delas cada teco que guardava recluso,

então, aconteceu.

Vieram pegadas abruptas, esgarçadas, febris,

vieram pegadas descambadas, desnudas, pueris,

vieram pegadas besuntadas, amotinadas, estiradas ao acaso.

Daí só me restou recolher seus trapos, tombos, rosnadas,

pra, juntos, celebrarmos o que temos de mais viril e dedicado,

uma pegada digna, absoluta, encantada, 

que faria de mim seu vintém, sua aprumada redenção,

sua valsa derradeira e triunfal.