"MEU AVÔ" — Poema com frases do romance Menino de Engenho, de José Lins do Rego
“Levaram-me para o engenho do meu avô materno.
Meu tio dizia-me que tudo aquilo era do meu avô.
Sentado numa cadeira, perto de um banco, estava um velho
a quem me levaram para receber a bênção. Era o meu avô.
O meu avô andava vestido com um grande e grosso sobretudo de lã,
falando com uns, dando ordens a outros.
Aquele seu ar de tranqüilidade poucas vezes eu via alterar-se.
A figura alta e solene de meu avô.
Entrei em relação íntima com o engenho de meu avô.
A água fria do rio, àquela hora, deixou-me o corpo tremendo.
O meu avô levantava-se para ver de perto as vacas
e os bois de carro de barriga cheia.
[Eu] Ficava horas seguidas olhando, no curral, as vacas
que mandavam de outros engenhos
para reproduzirem com os zebus do meu avô.
Meu avô, à mesa, contava episódios da enchente de 75.
O meu avô, com aquele seu capote de lã, comandava o pessoal
como um capitão de navio em tempestade.
Meu avô, de pé, olhava de uma ponta da calçada
as suas plantas de cana submersas, com a safra quase toda perdida.
Era preciso mandar comida para todo aquele povo desarvorado.
Meu avô dava ordens para levarem uma barrica de bacalhau.
As negras do meu avô, mesmo depois da abolição, ficaram todas no engenho.
O meu avô continuava a dar-lhes de comer e vestir.
O meu avô esperava no terreiro.
Meu avô levava-me sempre nas suas visitas
de corregedor às terras do seu engenho.
O meu avô então gritava: — Boto pra fora. Gente safada!
Eram assim as viagens do meu avô,
quando ele saía a correr todas as suas grotas,
revendo os pés de pau de seu engenho.
O meu avô não era um devoto.
O meu avô, nunca o vi rezando.
A mãe da ofendida viera dar queixas ao meu avô.
— Hoje em dia está tudo virando camumbembe — dizia o meu avô.
O meu avô mandou botar o cabra no tronco.
O meu avô ordenou que acabasse com aquela latomia.
Disse o meu avô, com aquela sua voz de mando.
Na hora da ceia meu avô pouco falou.
A todos o meu avô ia dando uma resposta.
O meu avô chamava-os para saber quanto dera
a cuia de farinha ou a arroba de algodão.
Meu avô falava das eleições da monarquia.
Estas histórias do meu avô me prendiam a atenção
de um modo bem diferente daquelas da velha Totonha.
O meu avô olhava para o seu vizinho com certo respeito.
O meu avô passava no meu quarto para me ver.
E ouvia os passos de meu avô andando pela calçada
— Mande chamar o pessoal do eito — gritava o meu avô.
No engenho, o meu avô botava jucá nos feridos.
O meu avô ouvia as primas com aquele sorriso de justo.
O meu avô, de preto, com o seu correntão de ouro no colete.
O meu avô ficava pelo alpendre a olhar o céu,
batendo com a vara de jucá pelas calçadas.
Pensava em coisas ruins — no meu avô morto,
e no que seria do engenho sem ele. Ouvia sempre dizer:
— Quando o velho fechar os olhos,
quem vai sofrer é a pobreza do Santa Rosa.”