Bilhete de janeiro
Prevejo o olhar lacrimoso
de um dia de sol
as cores do grande ônibus brilhando
sob um sólido janeiro de verão
pressinto a última gota de perfume
que irá gastar comigo
e a útima gota de saliva
que morrerá na minha boca
preconizo: será triste
mas, Deus do céu, mal necessário
e para que brote vida de novo
desnecessário dizer que morrerei
as toalhas serão todas jogadas,
as chuteiras, penduradas no fim da linha
e a minha sorte será lançada:
alea jacta est
disse Neruda que seu amor
tinha duas vidas para amar.
Ao meu, após trezentas mortes,
sobrou apenas uma:
é esta, que estou pondo fora
pela janela, amassada miúdo
como bilhete de loteria
com o número que não deu.