COLETÂNEA DE DISCURSOS ARRANHADOS (PARTE ll)
Vinte e nove de setembro, a vida falha.
A vitalidade escorre sem socorro aos desabrigados
Desencontrando os trilhos entre estações do tempo
Num processo confuso de repescagem perante
As regras desajustadas do calendário.
Mente com mente consumindo a semente de insumos
Concebendo metricamente o contrário em contraste
Determinando na prática a democracia concreta
Comprimindo a raia das reais questões do ser.
Pendendo de ponta cabeça vejo o mundo do avesso
É questão de estar bem disposto a desdobrar novos ângulos.
Inflexíveis seguem tapando boa parte do campo de visão
Conservando costumes contraditórios sem remédio a desrazão.
Pudera eu não acreditar na vida como templo
Regido no compasso complexo da arte
Em uma página a ser escrita
De encontro a um livro a ser aberto (há mais metafísica
compactada do que em um rabisco honesto?)
Enquanto num lugar dos quaisquer riquíssimos
Continentes repartidos alguém é beneficiado
Pela contemplação legitimamente
Magnífica do transbordar de um quadro
Responsável por pinceladas raivosas materializando caos
Transpassando camadas das emoções,
Que pendurado na penumbra da parede de um quarto
Em um desnível medíocre, merecia olhares delirantes
Merecia exposição, galeria cheia, cheia de aplausos
Aplausos que não combinados, causados por genuína excitação
Merecia a fragilidade do ego sendo rasgada,
Engolida em porções de auto satisfação
Em análises sensíveis dos que jamais o entenderam
Dos críticos cítricos que escrevem colunas ácidas diariamente em jornais,
Não apenas carregadas pela maré morna da euforia coletiva e
Sim essas quando tomadas por livre interpretação, insight, beleza
Baseada na leitura de movimentos em instante de expressão
Coreografia improvisada conectando neurônios,
Membros, nervos e hormônios fervendo em harmonização.
Cruzando a timeline e a soma de milhares de quilômetros de chão
Sobrevoando mares e continentes e condições adversas,
Mas sequer maior e mais longe se pode ser e chegar do que elas:
A vida e a arte, de mãos.
Uma atuando e a outra contextualizando.
Uma batendo e a outra trazendo consolação.
Uma questionando a outra adicionando
Mais um ponto de interrogação.
Queria a vida atrevida revelando o valor a toda gente
Um dia limpo, sem troco e trapaças
Fim de tarde lilás, céu reproduzido à mão
Desfrutando de uma boa sombra
Árvores, flores e folhas caracterizando a arquitetura da primavera
E o sol conjunto ao vento reascendendo uma linha intensa de verão
Enquanto saboreia uma boa cerveja, sereno
Ou aos que não consomem álcool um sorvete
Ou ainda aos diabéticos, glicêmicos, celíacos,
Intolerantes (de nutrientes) um sonho adocicado, lúcido, emergente
Em que apenas pudesse sentir o que causam uma coisa ou outra.
Como causa o amor a quem ama incessantemente
Como causa aos amantes espasmos
Em posições flexíveis e cômodas de yoga
Como causa a última curva antes da esquina de casa
Aos que exaustos precisam do final do dia
Depois do trânsito, do trabalho, do bendito intervalo,
Do talento desvalorizado, terceiro round, trafegando
E toda incomodação contida nessa monotonia.
Até poder, sem atentado ao pudor,
Arrancar fora a roupa e aproveitar
O vapor no calor de um banho (esse sim morno)
Pra um corpo que requisita a cama e sonhos esquisitos
Com sonos tão atrasados que se colocados
Em dia tornaria de imediato um estado perdido de coma.
Eu faria,
Na verdade, eu ia fazer e acabei por realizar outra tarefa
Rascunhando um desejo antigo jamais atingido por antepassados
São tantos afazeres para o dia e também para o mundo
Numa vida limitadamente curta e corrosiva.
A rotina recheada me interessa, sem pressa
Não posso passar por esse mesmo mundo imundo
Recostado a cadeira, recolhendo deveres
E escolhendo qualquer canal
Não há entretenimento na tela que me contente
E apesar de cada palavra ou ato de lá atrás que me condene
Ainda sou o mesmo imerso no fundo de um lamento
Procurando qualquer luz no fim do túnel
Que dê acesso direto à minha essência de infância
Pra que eu novamente encontre-me e reconstrua-me
Pluralmente no talento tátil de reconhecer e recomeçar
Sem ter a quem ou a que culpar.
Dizem que auto agredir é um passo até auto curar, mas
Não posso afirmar que seja algo que eu recomende
Tendo em vista que sequer recorri a regressão.
São os transtornos que me envelhecem.
Vinte e... outro dia, outro trinta de setembro
E a três meses do fim do ano, de novo nada me ocorreu
Para que pudesse, não sanar, mas dar tempo a inatividade
A improdutividade aos sobreviventes que só fazem
Da extensão do currículo um vício digno pra trabalhar
Sustentar as calças, a casa e uma crença mínima de ser capaz.
Minha cabeça faz essas coisas de esquecer
Essa cabeça vem dando indecisos sinais.