A grande caminhada

E ela escancarou seu riso tão alto que ninguém deixou de ouvir. Ao fim, ainda sob o som ardido do riso absurdamente alto, nada se aquietou no próprio lugar. Um rebuliço de vozes avançou à rua; era tarde. O horrendo espetáculo de gente apavorada e perdida, gente asfixiada pela fumaça dos cigarros e bêbados intransigentes, somados ainda, à gordura que vinha dos fundos, às pessoas só restava o desespero da fuga. Salvar-se, se possível, era só o que restava.

Nada, sob os efeitos, ainda persistente, do riso ameaçador, estava ileso dos seus efeitos. Era como se cada corpo tivesse seus poros e veias e músculos, invadidos por algo desconhecido. Nada estava salvo.

E assim tudo se sucedeu. E veio a noite. No limite da cidade, sob a névoa fria de outono, uma multidão, faminta e abandonada, como se voltar nunca mais seria possível, lentamente some ao som do riso, que persiste soar. Era a fome e a morte de mãos dadas.