pedra rara
"Oh, vida, em mim, cântico suave,
Indagação persistente, montanha oscilante,
Cede, ternura embriagada,
Em ti, ó amada,
Formas geram formas, rabiscos na pele.
Sabes das mil e uma noites, pois tuas noites
São feitas de água e violino a fluir
Pelos sulcos da memória.
Todos te recordam ao verem o sol, a chuva estival,
O tremor do amor que as coisas instigam,
Ou na rapidez de um homem que, na imaginação,
Ergue casas, fazendas,
E prepara o café da tarde, tão verde
Quanto o tronco de uma árvore ressequida.
Teu colo é um córrego inebriante de águas geladas e
Mornas quando o sol repousa nas bolhas.
Eu, que vago pela cidade, raramente saio,
Apenas imagino como é subir na montanha mais alta,
Até que teu umbigo esteja entre meus dedos,
E tua barriga seja a planície onde, no ponto mais alto,
Podemos passear.
Entretanto, a esfera que nos conduz não é de pedra,
É tão ligeira como uma letra,
Tão árdua como um signo,
O verso que se junta a outro verso,
Que conhece um poema, ou apenas o saber
Como se fala com o coração,
Inclusive com uma pedra, um galho de madeira
A descer o rio, é então como uma pedra, preciosa, rara.
Meu castigo é conhecer tua mina, teu esconderijo,
Onde a floresta escura e a sombra te ocultaram.
Pedra-letra, culta, pedra esculpida na cordilheira do verbo,
É essa terra vasta e extrema que nos ensina
O movimento de suas veias,
Como suas artérias levam vida
E como o pão afoga tua fome.
Teu rastro, revestido da matéria mais sensível,
Como a pele de teus braços e de teu regato,
Superado, amoroso, e branda de aroma inclemente,
Desvairado."