convergência na alvorada

Convergência na Alvorada

Em ti, o aroma se transmuta em essência,

como uma verdade que se difunde na atmosfera,

tua face emerge das sombras e ilumina rios e florestas,

neste lugar onde o enigma é mineral.

Entre os extremos, o real é bem estridente,

um fogo inscrito na fugacidade das coisas.

A erva germina, e dela uma beleza etérea desce

e se desdobra nos pilares das casas,

na alvura do leite amoroso que em teu seio seria

minha nutrição, meu vício, minha existência não seria outra

senão este encontro.

Homem soube transmutar a sede impelente

na errância da estrada sem nomenclatura, terreno

indistinto, indômito, cuja raiz desassombrada fora

murmúrio surdo, ecoando na aurora primeva.

Entre árvores e pedras, ele se tornou pedra e árvore,

e da pedra ergueu vasta folha, que alimentou-o,

servindo-lhe como repasto. Da árvore esculpiu muralhas,

de sumo e fibra, resguardando-o da ameaça das pedras,

que da terra eram lançadas como injúria celeste.

Num vilarejo lembrando um cipreste reles,

vida estática, virgem de claridade alguma,

transcorreu uma noite vinhosa, bailou com a filha

do homem ancião e foi engolfado por seus olhos negros.

Duas esferas escuras à deriva em uma lagoa de leite,

mulher de ardente corpúsculo, derramando sombras

em cada passo, palavras pairavam até atingir

altitudes onde os olhos logo se exauriam.

Ele soube que jamais ela sairia de sua memória,

sua escápula móvel e formidável, braços alvos,

quase tenebrosos, roçando as franjas do mal,

como a refulgência do mal se converte e se esvai

em algum umbral. Ele dançava, sem medo,

apenas o crepuscular prazer de uma fruta específica,

uma ária tão aguda que trespassava a epiderme,

desligava-o da lucidez, consumiria todo o leite,

longos e fecundos goles, quando a fome e sede falecessem.

Os caminhos são teus convites, o espaço que as pernas forjam

ao deslocarem-se como planetas que abandonam órbitas já desenhadas.

Poderias ser um serafim ou um mito, uma existência composta de cobre líquido

e etéreo, que a cada instante surge de uma flor aprisionada, enquanto

homens entoam ao teu redor a terra árida que percorreram,

lento, absorto, mas com a balança de sua confiança vagueando como um

barco à vela, conhece o tempo inscrito no seu porvir, não é urgência desenfreada.

Existe um trem escapando dos trilhos, é um lugar onde maçãs depositaram

suas sementes mais fecundas, e mulheres dançaram, sexos flutuaram como

se o amor já estivesse posto para a vida florescer, então tu caminhas, os desfiladeiros

que te acompanham são o eco de um tiro amortecido, cuja pólvora vacilou

e projetou para o alto as flores mais perfumadas; ao deslocar-te, criaste um jardim

com altura que permitiu aos homens colherem suas fragrâncias e adornarem suas mulheres

com pétalas mágicas que as tornaram alegres e vivas numa terra que outrora

permanecia entorpecida pela demora.