AS PAPOULAS VERMELHAS DA CASA

Quero de volta

as papoulas vermelhas do jardim da minha casa

Quero de volta

os supositórios que minha mãe aplicava

a canja de galinha com ovos cozidos picados

o cheiro de Vick Vaporub nas madrugadas

e o sabor meloso do xarope de Melagrião que tomava

Quero de volta

as brincadeiras criadas

com pneus velhos e latinhas usadas

os joelhos ralados das peladas

que curava na ardência dos Merthiolates

e os jogos de tabuleiro que não encontro mais

Quero de volta

o tic tac dos relógios de corda

o nascer do sol que nunca contemplava

o cheiro das pipocas douradas

amanteigadas e salgadas

que os pipoqueiros vendiam

frente aos cinemas na porta da entrada

Quero de volta

o bicho-papão

a comadre fulorzinha

o saci-pererê e a mula sem cabeça

que tanto me assustavam

e o boi da cara preta que minha babá

pra me fazer dormir sempre cantava

Quero de volta

aqueles tempos em que o tempo não passava

a meninice que nunca ali terminava

em meio as papoulas vermelhas

do jardim da minha casa

que hoje habita e respira

embaixo do asfalto da rua alargada

em que minha infância ficou enterrada

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 10/09/2023
Reeditado em 10/09/2023
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