GOZADOR INVETERADO
O tempo é um gozador inveterado,
fazendo estrepolias com a gente sem cansar,
virando do avesso nossos destinos sem dó.
É mandatário eterno dos chãos, dos ventos, das marés,
e de tudo mais.
De suas rédeas escorrem medos, dúvida, fé.
Do seu dorso emana a folia de viver, de querer-bem.
Esse tempo que esgarça a saudade e rodopia a paixão,
deixa as fronhas da dor num banho-maria insano,
desafia os guizos dos sonhos, desenlaça a verdade,
faz o certo estrebuchar até não poder mais.
No tempo de muitas rimas que enlouquecem, muitos senões que desfrutam,
as coisas se descabelam fio a fio, suor a suor, coração a coração,
até aquele ponto de fervura sem gosto de fralda, ou de paixão,
desnudando seus ferrolhos, dissipando o mofo, desfazendo o feto.
Daí vem um tempo sarado, limpo, reluzente, acolhedor,
sorrindo até rasgar a pele, até cessar o galope atroz que tanto ardia,
tanto pedia perdão sem nunca ter sido sequer ouvido,
só pra fazer vingar um tempo desanuviado, de vigor até o talo,
tudo isso pra soarem as trombetas da luz, da fronte divina, da alegoria devida,
e assim podemos voar em paz, até sempre.
Até sempre.