Funk das periferias
Vou te contar um pouco de uma história\
Moro na periferia\
Não porque queria\
Mas a vida de um Venezuelano\
Imigrante, que não teve escolha\
Num domingo qualquer\
Como muito retirantes\
Que vem pra capital\
Seja São Paulo ou a cidade maravilhosa\
É mais ou menos assim\
Após assistir na tv\
Os gols do Fantástico\
Quase não acreditei\
Deitado no meu colchonete\
Bem no meio da pequena sala\
Ouvi alaridos de cachorros\
Confundidos com luzes, cirenes, gritos\
Gritos e gritos de socorro\
Que diziam também\
Quase que imperceptíveis\
Abre a porta vagabundo\
É a lei\
Por quase um segundo\
Eu nem levantei\
Fora o susto que tomei\
Arrebentaram a porta\
Todo encapuzados, com armas de mira vermelha\
Fixa na minha cabeça\
E gás lacrimogênio a persuadir cada canto de minha casa\
Não devo nada, sou trabalhador\
A toa falei\
Cala boca diziam eles\
É a policia, estamos a trabalho\
E repetiam é a lei\
Olhavam bem na minha cara\
E procurando identificar não sei o que\
Que não localizaram\
Como cortesia, do suposto engano\
Pela porta quebrada\
Deixaram cento e cinquenta reais\
E daquela noite de horror, foram embora\
Parecia um sonho insano\
Mas meu vizinho, Daniel, que veio me socorrer\
Acordou-me do pesadelo\
Avisando pra me conter\
Porque não iria adiantar me mexer\
Outra vizinha disse pra eu denunciar\
Mas minha boa fé\
Me pediu pra calar\
Porque quem fala como bem disse Berenice\
Minha mulher, que estava noutro cômodo\
Com as minhas duas filhas\
Morre sem qualquer sinal de fumaça de justiça\
Ontem foi aqui\
Amanhã é ali\
Se não é traficante, é a policia a invadir\
Nosso santo sossego\
Que até já estamos acostumados\
Só que nunca tinham vindo aqui\
Nesse gueto\
Só está seguro se a gente finge que não vê\
Porque é assim, desde os comícios\
Trabalhador que trabalha\
Os legislativos e o executivo não enxergam\
Nem vou repetir o repetido\
Pois os jornais, quando não estão comprometidos\
Com a matéria, até não cansam de falar\
Porque nunca são ouvidos\
E todos sabem desse castigo\
Carregamos ou aceitamos um pecado\
De não sabermos\
De não assumirmos o nosso lado\
Nesse Estado de direito\
Que mais tem defeito\
Pra nunca consertar\
Aconselha homens, que se dizem de respeito\
Até a dignidade nos tirar\
Quantas vezes a janela\
Não vemos a injustiça proliferar\
O gosto amargo de impotência nas tantas situações\
Dia a dia nos consola e nos amputa\
Nos consome, construindo um povo\
Com medo, flagelado e com fome\
Há anos a educação é repreendida\
Eleição burlada\
A saúde abandonada\
A constituição remendada\
Confusa pra não dizer nada\
E a gente ficar feito boato na água\
Só acreditando nos fogos de vista do ano\
Como esperança de virada\
obs: homenagem ao meu amigo Noar de São Paulo