O CHEIRO DO TEMPO
O cheiro do tempo me trouxe café doce, limão amarelo e erva-cidreira.
Como se num sonho dentro de outro sonho
Eu ouvisse a mim mesmo perguntando o porquê de tudo aquilo.
Não sei ao certo o porquê, mas o cheiro do tempo me trouxe novamente rosinhas brancas decalcadas no verso do resto da minha vida inteira.
Então o relógio parou na exata hora em que outrora bati à porta de um possível paraíso e pedi asilo.
O cheiro do tempo me trouxe amor dos mais antigos, de gente mais velha e amigo de escola.
Agora me lembro do que eu disse tomado de fúria sem me arrepender por não saber o que era mágoa.
Se existem desculpas póstumas, peço que me perdoem aqueles a quem neguei afeto ou ofereci minha atenção como esmola.
O cheiro do tempo me trouxe maracujá em pó, adoçado, que se diluía em um litro de água.
O cheiro do tempo me trouxe inseticida barato, creolina e removedor.
Tudo parecia tão limpo, mais limpo do que hoje porque ainda pouco se sabia sobre a sujeira.
Meu coração repousava leve após o escurecer fiel ao ritual de despertar sempre pronto para enfrentar um tiranossauro de isopor
O cheiro do tempo me trouxe, enfim, todos os frascos guardados debaixo da pele do peito e da calota do crânio num passe de mágica tanto de mágico quanto de feiticeira.