Poema da Madrugada
São 3:37 da manhã
Meus passos solitários ecoam pelo vazio da casa
Como a única resposta plausível para meus pensamentos confusos
É um diálogo
Na minha corrente sanguínea
Corre todo o álcool que posso suportar sem perder a consciência
É, eu bebi na noite passada
O suficiente para alcançar uma lucidez que vai além das minhas mentiras convencionais
O fundo musical é uma música meio antiga da Adele
Um piano e a gravidade de uma voz poderosa o suficiente
Para transpor o tempo e me fazer voltar à um passado que não existe
Para que eu possa cuidar melhor daquilo que existe no meu presente
Há dias que tento não escrever
Tenho medo
Escrever é inevitavelmente deixar uma parte da alma exposta
Minha timidez sabe bem disso
Sabe que a minha poesia
Quase sufocada nas extensas narrativas do meu ego
Tem adquirido um tom azul
Claro como o céu de uma manhã de maio depois de uma noite de chuva
E tudo o que me resta nessa madrugada dissonante
É verificar cada um dos cadeados
Do baú onde minha poesia repousa
Até ser madura o suficiente para sair
Temo que ela se suje
Nas mesmas poeiras e ciscos que já a mancharam
É algo puro, como a primeira corrente de ar que percorreu o mundo após seu nascimento
É uma coisa que toda a minha teoria ainda não é capaz de compreender
Não aquilo me traz revolta por não voltar no tempo
Mas aquilo que me faz ser grato por cada pequeno traço que guardo comigo
Logo eu, que não gosto de falar muito
Acabo desabando nessas palavras tolas e desconexas
Penso agora em tantas coisas que poderia ter dito
E rio ao perceber que não passa de um roteiro atrasado
De um filme que não dá para rebobinar
Mas que em algum lugar especial, sempre estará em cartaz
Já esvaziei a geladeira a procura de paz
Reli todos os meus velhos livros a procura de sono
Refugio-me então nas teclas de um computador
Como quem põe na ponta dos dedos toda a esperança de mudar sua vida
E continuo escrevendo para não relembrar
Continuo respirando para não esquecer
É um ciclo continuo
Mas eu sei que quando dormir, não estarei escrevendo
A madrugada é silenciosa
Mas ao longe, é rompida por um barulho de trovão
São os aviões distantes que cortam os céus da cidade
Com pessoas dormindo nas poltronas
Dormir nas poltronas
É a sensação de que você tem um destino
Está sendo encaminhado para ele
Mas não pode fazer muita coisa, além de fechar os olhos e dormir
A posição não é das melhores
O sono não é dos mais dignos
Interrompidos quase sempre a cada parada
E sempre precisa ser recuperado no dia seguinte
E quantas vezes na vida não somos assim?
Passageiros prontos para dormir nas poltronas
De uma longa viagem
Mesmo necessário, me parece estranho
Tenho medo
Porque essa poesia azul que vem aparecendo
Precisa de espaço para crescer
E eu sou só um pequeno universo de pensamentos complexos
E sentado no chão de cerâmica
Tento não pensar em universos paralelos
Tento não pensar em controlar o acaso
Tento não pensar em forçar espontaneidades
Até que percebo estar tentando não ser quem sou
Quando deveria estar procurando a melhor versão de mim
Em uma madrugada muito pequena para crises de identidade
Apenas rio, porque algo me deixa tranquilo, algo azul
Preciso conter melhor meus excessos
Ver as coisas com um pouco mais de simplicidade
Deixar fluir um lado mais espontâneo
Mesmo com os ventos e ondas que vem atingindo o barco
Respiro fundo e tento encerrar o monólogo da minha mente
Pensando no que vou pensar no futuro, quando ler essas linhas
Acho que nada demais, acho que nada de menos
Mas tenho certeza que será azul
São cinco da manhã
Tudo continua
Menos, o poema...