joia no coração da vida
Em uma noite de meu nascimento,
a chuva e o médico carregavam
o mesmo temor. Vi a luz pela
primeira vez dentro de um grito, um uivo,
um espirro de dor preenchendo a casa.
Vi o mundo entre as molduras de duas portas,
num leito de malha de cipó, tecido pelas
mãos ásperas de Seu Carmelo, que
mais tarde transformaria seu sonho num
feixe de angústia, quando sua colheita
partiu entre um clarão e outro,
Vi o nascimento e continuo a nascer,
alimentando a esperança de que meu ser
inteiro se expanda sobre o leito, aguardando
o riso de contentamento daquela que me
trouxe das sombras e me transformou em luz aos
olhos dos que me amaram.
O presente arde como pimenta numa
língua virgem. Não é a pedra preciosa
de aresta já afiada, mas ainda
no seio da terra, martelando contra a
sujeira, a memória venenosa do esconderijo,
o fio infindo que se dobra
sob o sinal daquilo que não se aproveita,
e nesse vazio, vislumbro dois olhos diminutos,
me sussurrando que nada é mais belo
do que esta pérola que luta
no seio do ser para se tornar uma joia
no coração da vida.