Mando notícia de Recife
Enquanto tomava café fui me acalmando. A vida seguia injusta e fria. Pela janela do Café São Braz eu observava como Recife é feia e cruel.
Não era totalmente verdade, mas eu estava com muita raiva e descrente. Precisava achar que tudo era tão amargo quanto meu café.
Passei 4 anos naquela empresa de merda, lucrando para meu patrão que usa tênis sem cadarço para não se abaixar ao limite de ninguém. Patético.
Tive muitas oportunidades de passar-lhe a perna e fazer, de parte da clientela dele, a minha. A ética… passaram-se todas as chances e agora ficaram a ética e o desemprego.
Que café horrível. E caro. Essa cafeteria já foi melhor, esse bairro já foi melhor. Que calor.
Talvez se eu abrir um perfil falso nas redes sociais e acusar o escritório de abusos possa ter espaço entre os clientes dele outra vez. A ética… talvez se eu falar com a moça do RH ela entenda que o que ele fez foi um erro e altere a papelada para “sem justa causa” a demissão. A ética…
Paguei R$15.90 por um café ruim e uma água com gás e fui andando ver o mar. Recife cheira a uma vida que nunca quis ter. Pensei que nessa idade estaria bem longe daqui, fumando 2 carteiras de cigarro por dia, com uma lixeira cheia de artigos mal escritos e um salário de 2 dígitos numa moeda que valesse a pena ter na carteira.
O mar é bonito. O mar sempre é leve. Indo e vindo num movimento insistente e indolente. Não se cansa. Só vai. Só vem.
Sento ali nem sei por quanto tempo. Nitidamente, com sapato alto e essa roupa de escritório eu denuncio que não pertenço ali. Os biquinis, as paqueras, a vida sendo arriscada no sol e na cerveja. Nitidamente, com essa postura eu denuncio que não pertenço ali.
Mas, para olhar o mar não tem isso. Então, olho e fico. Até porque tempo agora eu tenho — e não tenho. Mas, não quero pensar agora. Quero olhar o mar.
A onda vem. A onda vai. Balé de águas. Espuma e vento. Cheiro forte. Sargaço. Sol. Areia que voa e bate no rosto enquanto fecho os olhos.
Preciso dizer ao meu cachorro que fui demitida.