DIÁRIO DE UMA ALUNA, NUMA ESCOLA PACÍFICA

MIGUEL WANDERLEY DE ANDRADE

No primeiro dia, meus portões estavam entreabertos,

as muradas faziam, no terreno, apenas a demarcação.

Procurei, na mochila, minhas chaves. − Já não seriam necessárias,

as trancas sumiram.

Estava em liberdade, sem devassidão.

O meu coração pulsava escancarado,

pois o excesso de confiança entre nós, era certo.

Qual o sentido de segurança, se não havia intento encoberto?

Bastava uma guardete para proteger nossos sonhos,

ela seria nossa heroína.

As sensações brotavam sem a necessidade

do consumo de algum alucinógeno,

como a cocaína.

Acordei com meu corpo sem dores,

minhas peles renovadas, ora absorviam todos os raios de luz,

ora refletiam todas as cores.

Vi que havia me tornado uma menina

que alternava entre branca e negra.

Tateei, na mochila, vendo se encontrava

alguma regra tão ferina,

do apartheid, da xenofobia,

o desprezo aos ciganos,

a raiva a outras etnias.

O ódio ariano − aos judeus!

Vi que tudo fora abolido.

Dei graças a Deus.

Eram papeis amarelados, em deterioração.

Na minha escola não existira mais segregação.

Outro dia acordei com minhas paredes, de branco, pintadas.

Apalpei, na mochila, meus livros de história,

com textos arrancados,

que não deveriam ser trazidos à memória.

Depois de lê-los, compreendi como tolos

são esses conflitos armados

bombas lançadas, pavor na retina,

corpos mutilados, prédios em ruínas,

demônios em maldade.

Aprendi, depois de provar da crueldade,

que nossos conflitos breves, podiam ser pacificados.

Esperei, no portão, que meus colegas inimigos

entrassem de braços dados comigo.

Fomos numa longa marcha,

não como soldados sanguinários,

mas estudantes que se perdoaram,

ou como novos guerreiros ambientais.

Penetramos no largo do jardim,

o nobre jardineiro cultivava um lírio da paz.

Ninguém ousou colher sua flor,

nem remover dos galhos, algum ninho.

Era um apelo sagrado à harmonia,

por longo tempo, talvez milenar.

Até o cacto, naquela estação, floria,

recobrindo seus agudos espinhos,

para que nada pudesse nos mutilar.

No último dia, havíamos alcançado a pureza,

Nós não carregávamos mochilas,

nem o verme da intolerância.

Não existia a ganância por riqueza.

Abolimos também qualquer revanche,

seria compartilhado até nosso lanche!

O professor ensinaria a engatilhar nossas esperanças.

Ao entrarmos no pátio, havia um momento

para oração silenciosa, com desejo de shalom,

feita com a palavra que unia todos os credos:

amor, era o significado, repetido em um único som.

O setor de pedagogia, certamente,

nos levaria à contemplação

da arte à serviço da paz,

nas obras seletas de Picasso.

E para que nos serviria contar

com a inteligência da artificialidade?

A saturação em rede social,

da fake, à imbecilidade,

onde tudo é manipulado.

Nós, todos juntos, teríamos a maior inteligência natural,

por superar a mesquinhez humana,

ao resolver todo o conflito educacional.