Travessia
Recolho-me areia na covardia de um grão
Disfarço clima afável nos extremos do deserto
Sei do mar só o seu instinto inexorável de morte
Fico, finco. Não atravesso.
Olho as pegadas alheias e finjo companhias
Anoiteço e amanheço em esteiras de mim
Sonho com o outro lado e adormeço o futuro
Finco, fico. Não atravesso.
Parto-me, não parto. Não nasço. Adapto-me.
Minha gravidez de mim me aguarda adiada,
Não ressurjo e, das cinzas, respiro o seu calor
Fico, finco. Não atravesso.
O mar, ali na frente, é gigante e assassino
A travessia é risco de ondas e tempestades
Finco os pés na areia. Fico no deserto sem mim.
Não atravesso. E me desapareço no espelho.