Mergulho
Quando não for mais meio dia em nossas vidas, o sol há de tecer no horizonte, um derradeiro fim de tarde vermelho-alaranjado. Abrir-se-á uma porta no parede verde do mar da lembranca. No ocaso dos meus dias nada mais me restará senão, saltar do infinito da paixão que me consome em direcão ás profundidades oceânicas da saudade.
Nadarei os abismos e as faces dos peixes, que me olham estupefatos, e entremeio moluscos, polvos, ostras e cavalos marinhos, desenharei com tinta vermelho-sangue do amor despedacado, seu terno nome que é cancão entricheirada em meus ouvidos e, também, sua casa cinza que é castelo de saudades que me abriga, cuja janela entreaberta galgarei na amplidão da noite, indo ter-me como devoto silencioso aos pés da cama, onde sua lembranca serenamente repousa.
E com a delicadeza de um artesão, tocarei sutilmente seu rosto com o reverso de minha mão direita e contemplarei embevecido seu rosto de estrelas. Depois suavemente cingirei sua cintura para dancarmos enamorados, eu e a sua ausência, ao som de Astor Piazzola.