olhar irreverente

Do fogo, o clamor do nascimento,

as paredes ondulam como espinhaço

de aço, repousa, desafia o solo

ou beija a própria face com o

coração no chão, quem

será este, que interiormente

penetra o sentido, o

ardil construído com empenho?

Será a vértebra de alguma

verdade enclausurada, será

a vigia de um mundo decapitado:

ou aquele que

quando a sombra da tarde

repousou sobre o peito,

ocultou-se nas profundezas

do ser? Como pôde, sendo tão vasto,

forte, temeroso,

recear-te, teu semblante sem face,

teu corpo sem pele, tuas mãos

sem dedos, contudo

te observo, contemplo-o como

quem contempla algo que reverenciamos,

mas também acolhemos com apreensão, como

adequar esta morada para que

adentes, se o espaço é

exíguo, mal cabendo o sofá

comprado com sacrifício,

se esvaísses, se cortasses

as unhas aguçadas, o excesso

de teus espasmos, entretanto,

não escutas, almejas unicamente o

que te pertence, a face

percebida por um olhar

reverente.

Ariano Monteiro
Enviado por Ariano Monteiro em 12/08/2023
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