o morto

Enterrar um morto é um enigma sem sentido,

Preferimos envolvê-lo,

Banhar seus olhos com água pura,

Preferimos inalar sua essência,

Na esperança de despertá-lo.

Mas o morto repousa em sua quietude,

Já não entoa cânticos, não dança,

Nem sussurra fofocas ao vento.

O morto é o alimento dos iguais,

O morto não tece promessas,

Nem interpreta sinais nas mãos,

O morto não pondera,

O morto esqueceu os números da tabuada,

Não frequenta mercados terrenos,

Não se surpreende com este cenário,

Não sente mais.

O morto não disputa partidas de xadrez,

No entanto, os vivos o carregam consigo,

Como se fosse um talismã,

Uma carga de dor e inexorabilidade,

Imerso no âmago dos viventes,

Persiste como um espantalho no campo.

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Enterrar um morto é mergulhar no enigma do silêncio,

Preferimos abraçá-lo nos corredores da lembrança,

Deixar gotas d'água beijarem seus olhos cerrados,

Preferimos absorver sua essência, sua dança.

Na esperança de reanimar o que já não é,

Mas o morto descansa agora, como um verso concluído,

Não canta mais, não dança mais,

Um mundo de segredos emudecidos.

O morto é alimento para o solo e o infinito,

Nem promessas sussurra, nem palmas da mão decifra,

O morto não pondera, não se perde em pensamento,

O morto esqueceu a tabuada, não calcula, não aspira.

Não frequenta mercados, não se impressiona com a cena,

Não sente, já transcendeu o jogo de xadrez,

Entretanto, os vivos o carregam, mistério sagrado,

Talismã de dor e saudade, no peito, a interrogação se fez.

No cerne dos vivos, o morto habita,

Espantalho silente no campo das vidas em andamento,

A memória esculpe seu contorno na alma aflita,

Nas entranhas do tempo, um eco, um lamento.