FRAGMENTOS DO POEMA ELEGIAS DE DUÍNO DE RILKE

(...)

Vozes, vozes. Ouve, meu coração, como outrora apenas

os santos ouviam, quando o imenso chamado

os erguia do chão; eles porém permaneciam ajoelhados,

os prodigiosos, e nada percebiam,

tão absortos ouviam. Não que possas suportar

a voz de Deus, longe disso. Mas ouve essa aragem,

a incessante mensagem que o silêncio prodiga.

Ergue-se agora, para que ouças, o rumor

dos jovens mortos. Onde quer que fosses,

nas igrejas de Roma e Nápoles, não ouvias a voz

de seu destino tranquilo? Ou inscrições não se ofereciam,

sublimes? A estela funerária em Santa Maria Formosa…

O que pede essa voz? A ansiada libertação

da aparência de injustiça que às vezes perturba

a agilidade pura de suas almas.

 

É estranho, sem dúvida, não habitar mais a terra,

abandonar os hábitos apenas aprendidos,

às rosas e a outras coisas singularmente promissoras

não atribuir mais o sentido do vir-a-ser humano;

o que se era, entre mãos trêmulas, medrosas,

não mais o ser; abandonar até mesmo o próprio nome

como se abandona um brinquedo partido.

Estranho, não desejar mais nossos desejos. Estranho,

ver no espaço tudo quanto se encadeava, esvoaçar,

desligado. E o estar-morto é penoso

e quantas tentativas até encontrar em seu seio

um vestígio de eternidade. – Os vivos cometem

o grande erro de distinguir demasiado

bem. Os Anjos (dizem) muitas vezes não sabem

se caminham entre vivos ou mortos.

Através das duas esferas, todas as idades a corrente

eterna arrasta. E a ambas domina com seu rumor.

 

Os mortos precoces não precisam de nós, eles

que se desabituam do terrestre, docemente,

como de suave seio maternal. Mas nós,

ávidos de grandes mistérios, nós que tantas vezes

só através da dor atingimos a feliz transformação, sem eles

poderíamos ser? Inutilmente foi que outrora, a primeira

música para lamentar Linos, violentou a rigidez da

matéria inerte? No espaço que ele abandonava, jovem,

quase deus, pela primeira vez o vácuo estremeceu

em vibrações – que hoje nos trazem êxtase, consolo e amparo.

(Primeira Elegia de Duíno, RILKE)

Rainner Maria Rilke
Enviado por Alessandro Nogueira em 19/07/2023
Reeditado em 19/07/2023
Código do texto: T7841119
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