LONGO POEMA PARA NÃO SER LIDO
Dizem que somos o que pensamos
mas penso tantas coisas
que não posso ser tantos
Na pluralidade de mim
uma multidão de vozes me fala
como se me amontoasse de pensamentos vários
Assim como Pessoa
não sei que alma tenho
talvez tenha uma duas três ou até mais
Sou aquele que se pensa de manhã no banheiro
no lavar do rosto os sonhos matinais
mas logo me deixo grudado no espelho
e sou outro quem chega aos outros na sala
Sou aquele que os outros pensam que sou
porém Maria João Pedro Sofia e os demais
não me pensam como se eu fosse para todos iguais
e afinal nenhum deles sabe de mim
e se soubesse o que saberiam
eu que nem mesmo sei quem sou mais
Na lucidez equivocada das minhas clarezas
me penso um homem comum vulgar e normal
mas ainda que tenha dentes orelhas e dedos
isso não me faz assim tão trivial costumeiro e banal
Se me digo e me desminto
se me contradigo muitas vezes
até me alegando o oposto e ao contrário
é porque sou imenso profundo e diverso
e uma vida somente é pouca para conhecer
todas minhas facetas e lados
meus ângulos cunhos perfis e faces
Quem em mim pensa enquanto penso
não é o mesmo que no instante não se pensa
e se penso quem sou o que aqui penso que sou
então devo estar por mim mesmo enganado
Nos subúrbios de mim que penso
existem ruas de pensamentos que ainda não foram
nem sequer percorridas ou nunca visitadas
Sou um território espaçoso bastante povoado
com vários terrenos baldios igualmente desocupados
Tenho pensamentos antigos
alguns caducos outros antiquados
pensamentos novos recém-chegados
pensamentos que me foram herdados
até mesmo pensamentos inventados
entre muitos que não foram nem pensados
enquanto há uns que são como se fossem
pratos frios diversas vezes requentados
Tenho inclusive pensamentos esquecidos
no interior dos meus inúmeros armários
E se Descartes estava certo
ao existir porque pensava
então existe em mim
mais Joaquins do que são
as vidas de um velho
curioso e intrometido gato