DESCAMINHOS
Sendas, veredas, picadas, servidões, becos...
Avenidas na cidade, que mora em mim.
Mil trilhas que levam para os mesmos guetos
Mil trilhos que chegam ao mesmo fim
Sou eu repetido no frenesi da urbe
frenética... interminável inferno
Castigo dantesco que repete e aturde,
Mesmice antiga no atual moderno.
Sigo curvaturas para não ser sozinho
mas carrego a vacuidade pesada
Sou um ser semelhante aos outros no ninho
Sou muitos, sou cidade, produto e nada.
Eu escrevo, escrever é eternizar-se
Porém... eternizar-se é se repetir
Busco descaminhos, formas de libertar-se,
Descaminhos são ruas que não vou seguir.
Preciso da fragmentação, dos estilhaços,
das vitrines quebradas, do meu eu no caos.
Preciso das vãs trapalhadas dos palhaços,
dos ventos incertos que balançam as naus.
Na massa da cidade, é no fragmento que me encontro
Nele, vejo um universo e me insiro.
Escrevo-me sem métricas e sem rimas.
Assim me caibo na poesia.
Assim escrevo e converso comigo mesmo.
Assim me leio e me revelo,
assim me penso e me desenovelo.
Assim penso meu mundo e meu entorno.
A poesia é meu espelho e minha vitrine
e entre a vitrine e o espelho espreito
manequins desnudos, aleijados, incompletos,
somente completos com as roupas.
Que triste depender da mercadoria para ser completo!
Vejo minha imagem se misturar com roupas
E vejo a cidade veloz atrás de mim.
A cidade dos doentes de Augusto.
Refletidos na vitrine, seres aprisionados
em movimentos repetidos, repetidos, repetidos...
Como Pessoa pensou as pessoas: cadáveres adiados que procriam.
Colho inúmeras metáforas na multidão,
Distraio-me para enxergar além do movimento hipnótico da urbe.
Eu na vitrine, eu entre as mercadorias, paradoxo, desejo e recusa.
Ah cidade de Baudelaire de variados ópios!
De flores maléficas em cada esquina.
De trilhos e descaminhos.
Meretriz! Você só existe porque eu existo.
E você não me deixa existir.
Mas não estou na vitrine,
não estou no espelho.
Encontro-me em cacos,
reduzido na cidade,
caminhando na desordem para sobreviver à ordem.
Procuro meus fragmentos em descaminhos.
Qual caminho na cidade me levará a mim?