FLORES DE CHUMBO*
Uma primavera estranha, feita através
De flores de chumbo, se desenvolve
Ao redor dos jardins e cresce com eles.
Se trata de uma noite de muitos anos
Para a qual as respostas não costumam
Surgir de onde se espera, de onde
A esperança mais produz os seus pedaços;
Mas de alguma região do pesadelo
Que nos sufoca enquanto ousamos
Seguir pelo mesmo caminho, entre
Montanhas, entre moinhos, onde
Se derramam gotas pequenas, de ferro,
De ódio e de sobressaltos. Dormiremos
Entre peixes contaminados. Árvores
Que, ao invés de frutos, produzem
Enforcados. Estradas que, na verdade,
Nos levam para o abismo, em meio
Ao fétido outono desses viadutos;
Dutos altamente explosivos. Encima
Deles, vivas casas. Paisagem, miragem
Potencialmente perigosa. Sinos sombrios
No alto da capela. Sinais sombrios:
Poesia vetada, mar por onde bóiam
Cadáveres, baleias. Chuva profunda
Chuva ácida. Água podre. Água morta.
Urubus e águias. Inebriante cheiro
De um ventre. Vida oriunda de algum
Bueiro ou lodo. Vida, não se sabe
De que tipo ou de qual propósito.
Apenas vida. E se existe luta ou
Palavra que a defina, nem tudo
Pode ser dado ante essa estranha
Primavera, cujos indícios são bastante
Contraditórios entre si . E entre
As fronteiras que cercam os jardins
Verticais.
*Poema premiado no 54o FEMUP (Festival de Música e Poesia de Paranavaí-PR) em 2019 e publicado em meu livro "Falsas Estradas" (2021)