EM TODA PARTE

Quando alta noite as florestas,

Tenebrosas agonias

Traem nas vozes funestas,

Quando as torrentes bravejam,

Quando os coriscos rastejam

Na espuma dos escarcéus...

Então a passos incertos

Procuro os amplos desertos

Para escutar-te, meu Deus!

 

Quando na face dos mares

Espelha-se o rei dos astros,

Cobrindo de ardentes rastros

Os cerúleos alcançares;

E a luz domina os espaços

Partindo da névoa os laços,

Rasgando da sombra os véus...

Então resoluto, ufano,

Corro às praias do oceano

Para mirar-te, meu Deus!

 

Quando às bafagens do estio

Tremem os pomos dourados,

Sobre os galhos pendurados

Do pomar fresco e sombrio;

Quando à flor d’água os peixinhos

Saltitam, e os passarinhos

Se cruzam no azul dos céus,

Então procuro as savanas,

Me atiro entre as verdes canas

Para sentir-te, meu Deus!

Quando a tristeza desdobra

Seu manto escuro em minh’alma,

E vejo que nem a calma

Desfruto que aos outros sobra

E do passado no templo

Letra por letra contemplo

A nênia dos sonhos meus...

Então me afundo na essência

De minha própria existência

Para entender-te, meu Deus!

 

- Fagundes Varela, em "Cantos e Fantasias", 1865.

FAGUNDES VARELA
Enviado por Alessandro Nogueira em 01/07/2023
Reeditado em 01/07/2023
Código do texto: T7826461
Classificação de conteúdo: seguro
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