EM TODA PARTE
Quando alta noite as florestas,
Tenebrosas agonias
Traem nas vozes funestas,
Quando as torrentes bravejam,
Quando os coriscos rastejam
Na espuma dos escarcéus...
Então a passos incertos
Procuro os amplos desertos
Para escutar-te, meu Deus!
Quando na face dos mares
Espelha-se o rei dos astros,
Cobrindo de ardentes rastros
Os cerúleos alcançares;
E a luz domina os espaços
Partindo da névoa os laços,
Rasgando da sombra os véus...
Então resoluto, ufano,
Corro às praias do oceano
Para mirar-te, meu Deus!
Quando às bafagens do estio
Tremem os pomos dourados,
Sobre os galhos pendurados
Do pomar fresco e sombrio;
Quando à flor d’água os peixinhos
Saltitam, e os passarinhos
Se cruzam no azul dos céus,
Então procuro as savanas,
Me atiro entre as verdes canas
Para sentir-te, meu Deus!
Quando a tristeza desdobra
Seu manto escuro em minh’alma,
E vejo que nem a calma
Desfruto que aos outros sobra
E do passado no templo
Letra por letra contemplo
A nênia dos sonhos meus...
Então me afundo na essência
De minha própria existência
Para entender-te, meu Deus!
- Fagundes Varela, em "Cantos e Fantasias", 1865.