Carta à loucura
Esta noite me oponho a ti
Opondo-me, trago nos olhos a contradição, pois sei
Que permanecerás aqui
Mesmo pobre de palavras,
Ou farta delas.
Mesmo vagarosa, senão ágil como um cervo. Tanto inteira e próxima
Ou distante pouco em outro cômodo.
E é por tê-la sempre vigente
Que o sossego de um silente escuro
Escutou-me nos primórdios de
Meus clamores em solidão;
Há dois tipos de pessoas solitárias -
As que estão completamente sós
E as rodeadas por pessoas -
As duas sou em natureza
Querendo sufocar instantes desnecessários
Trazer à tona os pedidos inocentados
Pela culpa que trajara os dias
Num passado submerso e mortal.
Como já me fizestes sofrer!
E como já me destes tudo o quanto me
Orgulho por ter...
A ti, loucura, hoje tentar ocultarei o luar
Que nos iluminou todos esses anos
Lua invisível, a todo o olho
menos ao teu
Que tudo vê tudo sente
Tudo suporta e com prazer e lealdade
Incontestável, pois és uma incógnita
Tão bela e terrível e fiel que nos autos
De teus atos as leis impusestes tais
Enormes e fatais.
Amanhã prometo que serás novamente
A companhia de tardes minhas
Noites e manhãs
Dotando as horas de compassos
Exímios e próprios
De tua magnitude musical.
Cantante e sedutora, sei que queres
hoje à noite contínua pousar
Mas digo: uns instantes de sólida realidade somente, devo-me provar?
Saber os palpáveis despojos de
Uma mente total sem ti...como será?
Eu lhe escrevo e não obedeces nunca
Talvez porque sabes que a totalidade
Do real iria à morte me levar - e é
Por isso que estás aqui
Toda nua, crua, indiscreta, presente
Por completo do jeito que só você
Sabe ser.