RETIRANTE

Sô fio de José e Mariazinha

E nascí perto duma cidadezinha

Lá pras banda do sertão

Lá onde a morte é nossa vizinha

E se come com farinha

Uma tal de precisão

A lida era numa cruel roça

Onde no chão só empoça

Sol, quintura e poeira caída

Onde focinha a fera morte

E a única alegria e sorte

É chegá os trinta ano de vida

Ver a vaquinha leiteira

Jogada no chão feito esteira

Seca a definhá

É dor das mais doída

A gente vê o fim da vida

De quem aprendemo gostá

Lá onde o estio invade

E seca sem alarde

A gente de dentro pra fora

Que nessas hora sofrida

Num cai nem lágrima sentida

Pra despedida de quem vai embora

É triste demais seu moço

Num tê água no poço

Nem nuvem pra abastecê

E vê o leito rachado

No chão encharcado

Só de vontade de bebê

É seu moço, muito triste

Vivê uma vida que insiste

Em não deixar a gente vivê

Onde surra a certeza

De que quem nasce na pobreza

Ali num divia nascê

Daí a gente foge do velho torrão

Com uma mágoa no coração

Tentando sobreviver

E chegando a cidade grande

A esperança se expande

Na fartura que a gente vê

Mas se lá no sertão a gente sofria

Da fome cruel e vadia

Na cidade passamo humiação

Dessa gente de empinado nariz

Que num pode vê o outro feliz

De tanta admiração

Se ofende a gente da cidade

Quando vê a nossa humildade

E toda nossa carência exposta

E essa é nossa primeira decepção

Constatar que quem vem do sertão

É retirante que aqui ninguém gosta

E pelas ruas iluminadas

Da metrópole de madrugada

Ainda catando algo pra cumê

A gente humirde se consola

Com a esperança de uma esmola

De quem num consegue nos vê

E bate o sol na calçada

Anunciando a chegada

De mais um dia de fome

E a alegria vai se esvaindo

Porque de nós vai fugindo

A esperança nos home

De ante de tanta indiferença

Cai sobre nós a descrença

De que vamo vencê

Mas o que temo precisão

É pegar com as mão

Algo pra gente cumê

Mas a fé no nosso Padim

É tão forte e sem fim

Que nenhuma distância apaga

Mesmo que a morte nos siga

E a gente num consiga

Se livrar da ameaça da sua adaga

Ai vem uns cidadão

Com fogo nas mão

Fazendo de nós fogueira

E ali aos pé da ígreja vazia

Nós vira fumaça pra alegria

Da fria cidade inteira

Candelária é o nome daquele lugá

Onde o fogo começou nos queimá

Sem pena nem compaixão

Num dá tempo nem arrependê

E acreditá como era bom vivê

No nosso querido sertão

A terra da cidade moiada

É intão a derradeira morada

De mais uns fio da ilusão

Deitados como indigente

Em cova umida e diferente

Das cova seca do nosso sertão

Nos jornal da grande cidade

A gente vira celebridade

Nas triste manchetes do dia

E falam de nós, os fios da fome

E das dor que nos consome

Dor das barriga vazia

O vento do tempo ligeiro passa

Levando feito fumaça

Essa história de covardia e sofrer

E lá no sertão na seca medonha

Os sertanejo ainda sonha

Que na cidade grande vai sobreviver

Varley Farias Rodrigues