A CASA DO ONTEM
Vou voltar para minha casa
que já não existe mais
Reencontrar as minhocas
no chão da terra soterradas
ver as formigas agitadas
carregando o mundo nas costas
como se não pesasse nada
pegar as folhas das papoulas
que eu não comia, porém mastigava
duelar faroestes com vilões imaginários
apostar corrida com o vento
mas era ele quem sempre ganhava
e brincar de professor dando aula
Vou abrir a janela do quarto
contemplar o sumir da madrugada
comer cuscuz com leite no festim matinal
beber vitamina de banana com Nescau
escovar os dentes e pentear os cabelos
com aquele menino me olhando no espelho
beijar a bochecha do meu pai desbarbada
pedir a benção da minha mãe ainda deitada
e sair para a escola que ficava
no outro lado da rua que beirava
próximo da esquina onde o bairro terminava
Minha casa que não era pequena
tinha o tamanho de um castelo
por onde imensos dias passavam
e eu dentro dela era o rei que reinava
na folia dos meus tantos folguedos
A casa que o tempo
ao passar do tempo demoliu
era toda pintada de infância
e no seu interior a eternidade morava
Vou voltar para minha casa
que já não existe mais