PAIXÕES ENCARDIDAS
Algumas paixões são arteiras,
meticulosas nas beiradas,
ardilosas sem rédeas, sem festim, sem colo.
São paixões robustas, escancaradas, encardidas,
encarnando seu galope num samba tosco,
fazendo da vida o mais delicioso quindim.
Nessas paixões sorrateiras, nada mirradas,
de cheiro farto, de olhar temporal,
vão se esgueirando num bocejo tal
que acabam desmamando os anjos do céu,
Nessas paixões sinfônicas, atônitas,
esqueço meus ossos, minha fé, meus rasgos,
me refugo insolente, sem perdão, nem troco.
Já vivi paixões assim no deserto,
nas sombras dos meus baús,
na lousa indigesta de algum pesar qualquer.
Já me untei em paixões que se diziam vorazes,
já me salpiquei de paixões que surrupiavam meus porões.
Delas, confesso, pouco ressequei seus gozos,
pouco lembro dos seus passos.
Delas, lamento, quase nada espirrei de mim,
pois foram paixões acéfalas, roucas, mal ajambradas,
apenas vãos desengonçados sem feitor algum.
São paixões cosméticas, piões girando a esmo,
sem toca pra bulir seus encantos,
sem rédea pra chicotear meu sangue.
Hoje, já servido delas, me flagro nu sem palco pra brilhar,
ou morrer, quem sabe,
E aquelas paixões-ratazanas que guardo a sete chaves,
com medo de respingar pro mundo meus parcos tombos,
só me resta rir delas até o mar secar de vez.
São naquelas paixões-meninas, paixões-Deus,
que tanto aterraram minhas vidas cruas,
tão cruas que nunca mais as reverterei como deveria,
como aquela alegoria liberta que um dia batizei de amor.