e eu fiz minha a minha própria oração
às flores molhadas pela chuva;
às esculturas destruídas pelo tempo;
ao cansaço das palavras;
aos deuses que se devoram;
aos pecados que nos despedaçam;
aos pecados que nos socorrem;
aos pecados que nos traem de nós
mesmos;
aos arrepios que sobem a alma;
aos modos de dizer não;
aos caminhos que ainda percorremos
sem a certeza aonde que iremos;
aos vestidos encardidos de sonhos;
aos atos ingênuos que levam a perversão
aos santuários de orgasmos erguidos em
uma noite;
ao nosso sangue, como vinho,
e à nossa carne, como pão;
aos ladrões de afeto;
aos dias de queda;
aos que pensam demais;
aos que lembram demais,
de quando não doía
ou a dor era menor,
de quando ninguém ia embora,
ou a partida era aos poucos,
de quando podia ter sido diferente;
aos descansos que o coração precisa
para as memórias se tornarem frágeis,
para os cruéis chorarem,
e para os vagantes se encontrarem;
aos amores que a morte encosta,
mas não apavora;
aos poemas ruins
escritos por adolescentes que perderam
tudo o que tinham em uma noite
e no dia seguinte tiveram tudo de novo;
aos estranhos que um dia foram amigos;
aos silêncios que machucam, pois falar
é impossível;
aos solitários que avançam e avançam e
avançam de cabeça erguida e de cabeça
baixa e com as lágrimas guardadas nos
bolsos, pois o buraco no peito foi fechado
para os sentimentos nunca mais fugirem.
ao deus que sou
visto que não existo aos meus olhos,
mas ao reflexo que já fui
e a noção do que serei.