Milonga Borgeana
Dentro do livro de areia
a ampulheta do tempo
virou do avesso.
Quase sangrando nos becos
a fome de um tigre
em mim.
E farejei as palavras no ar
a mão do vento se abriu
e pôs em folha suspensa
a Milonga Borgeana.
Mil criaturas da noite
transpassam inquietas
os vidros de um bar.
Monstro Aqueronte passeia
na ponta dos pés
em nós.
Deu-me um espelho esquisito e falou
da forma que a vida tem
de pôr no rosto uma cara
que a alma desenha.
Milonga Borgeana
milonga de sombra.
Um tigre de quatro cores
perdeu-se em teu labirinto.
Milonga Borgeana
espada de vento
nas calles de Buenos Aires
nas calles de mis entrañas.
El viejo tiempo se espraia
circula a doutrina
e suspende o punhal.
No corredor
os rangidos do piso
são tão iguais...
Gume afiado, o destino que fez
a mão do escuro fechar
e pôr em muro de sombra
a Milonga Borgeana.
Abre-se a fresta del sueño
e se adentra um mistério
um segredo e o frio.
Entro com eles
no espanto da casa
del Asterion.
Ah, quem me dera eu pudesse tocar
um solo de bandoneón
ao olho atento que mira
o futuro e o mundo...