ANJO DESGRINGOLADO
Dentro de mim abrigo um anjo,
do qual pouco sei,
mas muito sinto, muito afago, muito ancoro.
Anjo espevitado, de falas oblíquas,
de passos roucos, vãos berrados,
e becos esquisitos.
Neste anjo bizarro,
de alma puída, de coração rebelde,
guardo meus respiros de moleque,
meus aterros solitários, meus repentes de sonhador.
Anjo desgringolado,
um tanto amarrotado, um tanto afligido,
nele faço valer meus passos tortos e sem noção,
meus ventos abdicados, meus rastros proibidos,
tantos versos mancos e secos.
Cada um tem seu anjo remendado,
pedaço de chão cariado, esgarçado, talvez desgraçado,
mas é nele que se agarra quando Deus se enfeza,
é nele que faz comparsa quando o sangue empedra,
é nele que faz coro quando o gosto vira dor.
E assim, meio espanado, meio desmiolado,
vou tocando os passos com as falanges que der,
amealhando aquele anjo com teares suados,
arrematando a alma com o crochê que a vida escolheu
e o tempo abençoou.