NEM TUDO ENVELHECE NESSA VIDA
Tudo envelhece nesta vida.
As pedras, a areia, as rimas, os ninhos.
Envelhecem as verdades, os sustos,
as desculpas, o paladar, o acarinhar.
Envelhecem os sonhos, as despedidas,
a saudade, o vento, a solidão.
Envelhecem as rugas, as manias, as vontades.
Como envelhecem os desejos,
a espera, o perdão, aquele poente encantador.
Tanto envelhece a voz, o suor, a razão.
Também muito envelhece o encardido,
o doído, o amalucado, o remexido, o puído.
Envelhece cada outono perdido,
cada aceno tardio, cada olhar sem arremate.
Envelhecem as vontades, os temperos,
as portas sem tranca, os medos sem dono.
Sim, envelhece o sangue, os degraus,
aqueles porões que mantemos ancorados.
Envelhecem os cabelos de Deus.
Uma coisa só não envelhece, nunca mesmo.
É aquele pequeno filete da paixão que guardamos
no fundo do baú da nossa alma,
bem lá no fundo, escondido toda vida.
Por mais que tudo envelheça neste mundo,
por mais que tudo vire cinzas, vire lodo, vire pó,
este filete vivo manterá seu vigor original,
como orquestra só esperando o maestro dar o sinal
pra emergir, pra eclodir, pra virar imensidão.