AMNÉSIA
A vida não tem memória
como a velha casa da minha avó
que sequer se lembra do meu passado
Dos pés de manga que me açucararam a infância
nenhum deles me reconhecem no sombrear
das calçadas por onde regresso ao passear
e a mercearia do Seu Bartolomeu
há muito já foi derrubada
e nem uma placa comemorativa
ficou afixada nas novas paredes do lugar
A vida não nos fotografa
registra, evoca ou nos guarda
nos escaninhos higienizados do tempo
que se pudesse de si mesmo recordar
apenas veria o ocorrer flagrante do agora
E no estreito espaço da vida
por onde atravesso e me desloco
nada vai de mim relembrar
pois a vida é tão somente
uma longeva velha senhora
alheia, descuidada e esquecida
que vive padecendo de amnésia